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domingo, 1 de novembro de 2009

Quando o Estado tem a obrigação de cobrir tratamentos realizados em hospitais públicos?

por Melissa Areal Pires, especialista em Direito à Saúde do Vilhena Silva Advogados

Direito Universal à Saúde e Código de Defesa do Consumidor versus populações carentes que morrem nas filas dos hospitais, aguardando por atendimento.

Não há dúvidas de que a saúde é direito de todos e dever do Estado, conforme preceitua o artigo 196 da Constituição. Também não há dúvidas de que o SUS foi criado pela Lei 8.080/90 com o objetivo de fazer valer o disposto na Constituição Federal, dispondo em diversos artigos as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços de saúde. Ocorre que a realidade vivenciada pelos cidadãos brasileiros que necessitam de atendimento em hospitais públicos não corresponde ao que determinou o legislador.
A mencionada Lei 8.080/90 dispõe em seu artigo 2º que “a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”. E no §1º do citado artigo, afirma que “o dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.”

A lei não tem sido cumprida. Um dos problemas mais sérios sofridos pelos cidadãos brasileiros que recorrem ao SUS é a falta de leitos nos hospitais públicos. É fato público e notório que, muito embora seja direito líquido e certo a internação em hospital para realização de tratamento médico, os hospitais públicos não têm dado conta de atender a todos que necessitam e, por essa razão, muitos acabam sendo obrigados a procurar atendimento em hospitais privados.
Recente pesquisa divulgada pelo Sistema DataSUS, do Ministério da Saúde, especificamente no Estado do Maranhão, chegou a uma conclusão alarmante: há quase cinquenta pessoas a mais por cada leito naquele Estado. A proporção de cidadãos por leito, naquele Estado, é de 380,88. Ocorre que a Portaria de n. 1101/02 determina que essa proporção seja de pelo menos 2,5 a 3 leitos para cada mil habitantes, o que significa que os números no Maranhão ultrapassam em quase cinquenta a média nacional estabelecida: 333,33 por leito.
No Estado do Ceará, a realidade não é diferente. A superlotação em hospitais da rede pública tem colocado em risco a vida das mulheres que devem dar à luz, pois faltam espaço e equipamentos. Reportagem do Diário do Nordeste flagrou mulheres em trabalho de parto em macas e aguardando o atendimento adequado no Hospital Geral César Cals (HGCC). O Núcleo de Informação e Análise em Saúde da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa), baseado em números do ano de 2008, concluiu que a cada 100 mil partos realizados no Estado, 68,6 mães morrem. A média do Brasil é de 50 mortes para cada 100 mil nascimentos e o índice mundial é de 20 óbitos a cada 100 mil partos. De acordo com a assessoria de imprensa da Sesa, em números reais, 91 mulheres faleceram, em 2008, em decorrência do parto. Matérias de jornais impressos e televisivos acerca da situação no Estado do Rio de Janeiro, mostram mulheres que morreram nas filas dos hospitais ao aguardarem uma vaga para terem seus filhos.
Cumpre-nos como especialistas na matéria ressaltar que o Estado é responsável pelo pagamento das despesas de hospital privado que tenha atendido o cidadão, em caráter particular, se não disponibilizou atendimento na rede pública. Sobre o assunto, ressalta o Desembargador Wander Marotta, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que “os doentes não podem ficar à mercê da solução de problemas de ordem administrativa. Trata-se de necessidade urgente, para que se evite mal irreparável provocado pela inércia do setor público.”

O Código de Defesa do Consumidor

A indisponibilidade de atendimento em hospitais público deve ser reputada uma grave infração a texto constitucional, merecendo punição, que se afigura no pagamento das despesas médicas de hospital privado, que somente foi procurado em razão da ineficiência do sistema público de saúde. Há ainda que se levar em conta que o Código de Defesa do Consumidor também determina, em seu artigo 6º, que "São direitos básicos do consumidor: (...); X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral."
Ora, o atendimento digno nos hospitais públicos é serviço essencial, o que faz restar incontroverso que sua prestação deve ser contínua, ou seja, não pode ser interrompida. Isso significa dizer que a inexistência de leitos e de hospitais capazes de atender à demanda do consumidor configura conduta omissa do Estado e viola frontalmente os direitos do consumidor, que deve exigir a tomada de todas as medidas necessárias para a garantia do seu direito.
Saliente-se, ainda, o artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor que dispõe a respeito da obrigação da prestação de serviços essenciais que "Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único - Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código."
Deve-se ter em mente que a saúde é o meio pelo qual se garante o bem mais valioso de um ser humano, a vida com dignidade, motivo pelo qual o Estado não pode se furtar de sua obrigação de garantidor dos direitos sociais previstos na Constituição, sendo inadmissível que se deixem órfãos os cidadãos que pagam em dia seus impostos e não podem ser culpados pela má-administração do dinheiro público, que na área da saúde é tida como a mais preocupante, pois agravada pela falta de sensibilidade e de compromisso social por parte das autoridades e órgãos públicos.
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Por Melissa Areal Pires, Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, pós-graduada em Direito do Consumidor pela Universidade Estácio de Sá em convênio com a Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Advogada do Vilhena Silva Advogados.

**Renata Vilhena Silva é a primeira advogada do País a ser membro do Health Lawyers, importante associação internacional de advogados da saúde - cujo objetivo é promover o intercâmbio de novas jurisprudências e atuação dos profissionais da área pelo mundo. Especialista em Direito Processual Civil pela Coordenadoria Geral de Especialização, Aperfeiçoamento e Extensão - COGEAE da Pontífica Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP e pelo Centro de Extensão Universitária - CEU. É membro do Comitê Comunitário do Instituto da Criança - Hospital das Clínicas e Faculdade de Medicina da Universidade São Paulo. É membro colaboradora da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/SP. É membro do Conselho Cientifico da Ação Solidária Contra o Câncer Infantil, e auxilia a AHPAS, única instituição do País a oferecer transporte gratuito a pacientes carentes com câncer. Também coordena cursos na Associação dos Advogados de São Paulo - AASP - é fundadora do Vilhena Silva Advogados que possui equipe especializada no Direito à Saúde.
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