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segunda-feira, 10 de maio de 2010

Modelo Institucional do Setor Elétrico aplicado em Belo Monte

Antonio Carlos Porto Araujo *

A licitação para construção da Usina de Belo Monte, no Rio Xingu, no Estado do Pará, tem ocupado espaço importante nos meios de comunicação e nos debates entre vários interlocutores.

Essa exposição e os debates acabam por despertar interesse sobre a questão, de maneira que incentivam algum aprofundamento nas águas do Xingu, sob a ótica do Modelo Institucional do Setor Elétrico, sobretudo após 2004 – quando se inicia a implantação do novo modelo no Brasil. O Conselho Nacional de Política Energética ganhou então prerrogativa para proposição da licitação individual de projetos especiais do Setor Elétrico, recomendados pelo Ministério das Minas e Energia (MME).

No Brasil, o sistema é predominantemente de base hidráulica, envolvendo intercâmbios expressivos de energia entre as regiões do País. Até pouco tempo, vivenciamos ainda uma temerária ausência de termelétricas próximas aos centros de consumo; obsolescência tecnológica das usinas existentes. Esses fatores implicam na necessidade de transferência de grandes blocos de energia por meio de interligações entre os sistemas regionais, que combinados com envelhecimento dos equipamentos da rede básica das concessionárias, causam alguma insegurança no abastecimento. O último blecaute ilustrou a situação.

Sob o aspecto econômico, há enorme dificuldade na obtenção de recursos financeiros (custo/maturidade), e vemos que a construção de mecanismos financeiros implicou na composição de consórcios para as recentes licitações altamente engenhosos para conseguir atender o crescimento e elasticidade da demanda. Nesse ponto, vê-se a alta posição do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento) para garantir cerca de 80% dos recursos, em condições customizadas – incentivos.

Os fundamentos do modelo institucional e de gestão anterior em vigor foram definidos na década de 1990, com a instituição do PND (Programa Nacional de Desestatização), no âmbito da redefinição do papel do Estado na economia e ao longo do final do século vinte muitas das tentativas de reestruturação setorial não estabeleceram as condições necessárias para o atendimento de alguns princípios gerais, que se pretendeu proporcionar com o novo modelo, aprovado em votação, em 11 de março de 2004, nas Medidas Provisórias 144, que estabeleceu as novas regras do setor elétrico, e 145, que criou a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), convertidas respectivamente na Lei 10.848 e Lei 10.847, ambas de 15 de março de 2004.

Esse novo modelo passou a determinar a volta do poder concedente ao MME, que era exercido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Ao MME coube, portanto, a formulação e implementação de políticas para o setor energético e o planejamento setorial. Nesse momento passou a receber críticas de concentração das diretrizes do setor nas mãos do órgão, defendida pelo governo com alegações de que não significava uma reestatização, mas uma retomada de serviços de caráter público.

O importante é que esse modelo defendia a segurança de suprimento e modicidade tarifária, em ambientes de contratação e competição da geração. Passamos a contar com a chamada contratação de nova energia em Ambiente de Contratação Regulado (ACR) e a possibilidade de contratação de energia existente no ACR, consumidores com livre acesso a novas hidrelétricas por produtores independentes de energia e novos agentes institucionais.

O Modelo Institucional do Setor Elétrico redefiniu as premissas operacionais prometendo sanar os problemas vivenciados na época. A promessa era arrojada, pois pretendia garantir a segurança de suprimento de energia elétrica com modicidade tarifária, além de promover a inserção social do setor elétrico e manter estável o marco regulatório. Esses foram os princípios gerais do modelo.

Dado que o prazo de maturação de nova usina hidrelétrica é de cerca de cinco anos, a contratação de energia para atender ao aumento previsto da demanda deverá ser feita com a mesma antecedência. Sendo assim, em ambiente de incerteza quanto à confirmação do cenário projetado, a teoria sugere que a contratação de energia para atender ao crescimento será mais bem equacionada sendo feita em duas licitações. Ocorre que devido a fatores diversos, como até mesmo gargalos na superação de desafios ambientais, essa métrica não se realiza a contendo, tomando exemplos como as Usinas do Rio Madeira, UHE Jirau (3.300 MW) e UHE Santo Antônio (3.150 MW).

Em relação à compra, as distribuidoras passaram a comprar energia por meio de leilão num pool de energia, formado por geradores e distribuidores.

















Todas essas modificações redefiniram as premissas operacionais e fizeram do novo modelo energético do Brasil um sistema altamente regulado. Dessa forma, vemos que também para a Usina de Belo Monte, a aplicação do modelo representa a consolidação de planejamento cobrindo uma linha de tempo não inferior a dez anos, observando um ciclo de atividades anual, em que se definem os planos de expansão dos sistemas elétricos.

Esse modelo altamente regulado fica claro também ao se observar a participação importante da CHESF no consórcio. Além disso, as recentes declarações do governo realçam essa premissa de que a obra será executada, mesmo que sob todo tipo de acusações. Cabe, contudo, exigir que as acusações de interferência em direitos sociais e ambientais sejam muito bem apuradas, evitadas em sua maioria, ou mitigadas quando inevitáveis. Nesse sentido, cabe a observação dos princípios democráticos que para seu fortalecimento não basta à vontade da maioria, mas o direito de todos. Os atingidos têm, no mínimo, o direito de ver resguardado instrumentos de compensação satisfatórios e proporcionais ao impacto sofrido.

Nesse momento é imprescindível que o Brasil adote medidas para geração de oferta de energia elétrica de várias fontes para atender o aumento da demanda, seja pelo crescimento econômico, seja pela inserção social de 20 milhões de brasileiros que ainda não tem acesso à energia.

Também no segmento produtivo, a análise da estrutura industrial por segmento reforça a situação de grande produtor de commodities do Brasil em relação aos demais países do mundo, demandando grande oferta de energia. No Brasil, o agregado “metalurgia, mineração, papel e celulose e açúcar” – setores de baixa remuneração salarial e baixo nível de emprego – responde por 66% da energia industrial, enquanto que na OECD a participação é de 34% e nos demais países, de 29%.

O Brasil é grande exportador de commodities agrícolas – intensivos em água e energia – e também de commodities metálicas – ainda mais intensiva em energia – para sua exploração. A insegurança na oferta de energia torna-se uma ameaça ao desenvolvimento do País e à sua competitividade em um mundo globalizado cada vez mais competitivo.

Evidentemente que todos os impactos devem ser mensurados, sem negligenciar qualquer interferência sobre as áreas afetadas ambiental e socialmente. O crescimento do País deverá se dar de maneira sustentável e os impactos ocasionados pela obra obrigatoriamente devem ser mitigados, única maneira de se promover justiça social, bem econômico, aliados ao respeito e proteção do meio ambiente.



* Antonio Carlos Porto Araujo é consultor de energia renovável e sustentabilidade da Trevisan.