Por Mariliz Vargas
Lígia* não tinha histórico de câncer de mama na família. Nem tão pouco o seu perfil encaixava-se como propensa a desenvolver a doença. Por isso o seu médico, um renomado ginecologista da cidade, a liberava anualmente da necessidade de realizar a mamografia, por mais que sua idade inspirasse tal cuidado.
Ela estava na casa dos 60 anos, e era mulher de fibra, uma daquelas mulheres fortes e decididas, que quando colocam uma coisa na cabeça, vão em frente. Por isso, apesar de todas as garantias do médico, Ligia colocou na cabeça que precisava fazer o exame. O médico mostrou-se categórico, transbordando auto confiança profissional ao afirmar a inutilidade do procedimento. Talvez outra mulher tivesse encontrado alívio na segurança profissional do médico. Afinal é muito bom ter alguém que confiamos e que nos diz que não temos com o que nos preocupar.
Mas Ligia não era assim. Mesmo sabendo que poderia se deparar com alguma coisa muito desagradável com a sua insistência preferiu confiar em sua sensibilidade, e insistiu na realização imediata da mamografia. Foi então que Ligia fez o exame. E o resultado, acusou positivo. Sim ela tinha um pequeno tumor no seio esquerdo. Feita a biopsia, descobriu-se que era maligno. A família quase desmoronou de susto, de medo, de desespero em ver aquela que era a força de todos, ameaçada por esta terrível doença. Lembro-me quando fui visitá-la depois do fatídico diagnóstico. Ela me olhou bem nos olhos, com aquela firmeza habitual e disse:- Vou tirar de letra.
E assim o fez. O câncer foi removido, juntamente com a sua mama esquerda. Ficou agradecida por ser poupada da quimioterapia, já que a cirurgia havia extinguido completamente o tumor, pois o câncer estava em seu início. Por isso, o caso de Lígia nos alerta principalmente para a responsabilidade da própria mulher na sua saúde, onde nós precisamos estar atentas a nós mesmas, e contar com a equipe médica colocando-a a nosso favor. Ela optou, também, em não fazer a reconstituição da mama. Fez sua escolha, assumiu a sua condição de sobrevivente de um câncer e tratou de curtir a vida ao lado dos seus amados netos.
Ligia nos deu muitos exemplos de coragem. Em nenhum momento se considerou menor do que a doença, mas foi sábia o suficiente para respeitá-la. Confiou na experiência do médico mas não a colocou acima da sua sensibilidade. Diante do diagnóstico, tratou de tomar posse das suas forças e se lançar em direção ao destino com a fé e a certeza de que tudo seria feito da melhor forma possível. Certamente em muitos momentos se entristeceu, chorou e questionou Deus e o destino por terem colocado esta situação diante dela. Mas a postura que todos nós que acompanhamos o caso pudemos presenciar foi de pura coragem e força, e que por ocasião desta doença teve ainda mais condição de se manifestar. Ligia sobreviveu ao câncer, e viveu ainda muitos anos. Hoje já não está mais entre nós, mas é importante dizer que ela não morreu de câncer. Para todos nós a sua maior herança foi o seu exemplo e a certeza de que temos sim que enfrentar as nossas dores, de encarar os nossos medos, de acreditar na nossa sensibilidade antes de tudo, pois sem dúvida, somos muito mais do que supomos ser.
*O nome da paciente foi alterado como medida de proteção.
Sobre a autora:
Mariliz Vargas é psicóloga, formada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Trabalha com Psicoterapia há mais de 20 anos. Ministra cursos e palestras sobre temas relacionados ao aprimoramento humano na busca por uma vida mais rica e feliz. Autora de inúmeros artigos publicados no jornal paranaense Gazeta do Povo, suplemento Viver Bem, e atualmente veiculados através da internet. Recentemente, Mariliz lançou o livro 'A Sabedoria do Não', pela editora Rósea Nigrea. A obra apresenta um panorama do poder construtivo do ´não´ e seu papel na conquista da felicidade.
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